Brincar não é passatempo. Para a criança pequena, brincar é o modo natural de explorar o próprio corpo, entender limites, testar equilíbrio, ajustar força e construir controle dos movimentos. A coordenação motora, tão importante para tarefas básicas como segurar o lápis, recortar com tesoura infantil, vestir a própria roupa e subir escadas com segurança, nasce de experiências concretas de movimento durante o brincar.

Coordenação motora não é uma única habilidade. Envolve controle global do corpo (correr, pular, rolar, arremessar), mas também controle fino (pinçar, encaixar, empilhar, abrir e fechar objetos). A educação infantil é uma fase crítica porque o cérebro está amadurecendo conexões que relacionam percepção, planejamento e execução do gesto. Quando a criança brinca, ela liga essas áreas ao mesmo tempo: olha, decide e faz. Esse ciclo repetido melhora força muscular, equilíbrio, precisão de movimento e noção espacial.

Brincadeiras de perseguição, corrida, esconde-esconde, amarelinha e circuito de obstáculos ajudam na coordenação motora ampla. Nessas situações, a criança testa velocidade, freio, mudança de direção e ajuste postural. Quando precisa desacelerar para não cair, desviar de um amigo ou saltar sobre uma linha no chão, a criança está treinando controle corporal e atenção conjunta. Esse tipo de desafio físico, que parece simples para o adulto, é um passo importante para formar segurança de movimento e reduzir quedas, tropeços e choques no dia a dia.

 

Brincar e consciência corporal

Desafios motores também ajudam a criança a entender o próprio corpo no espaço. Ao engatinhar em túneis improvisados, equilibrar-se em cima de uma linha desenhada no chão ou caminhar sobre almofadas, ela aprende a calcular distância, altura e apoio. Essa noção de “onde estou” e “quanto posso alcançar” tem ligação direta com autonomia e prevenção de acidentes.

Brincadeiras que envolvem movimentos coordenados de braços e pernas, como chutar uma bola parada ou lançar um objeto grande e leve, fortalecem lateridade (a diferenciação entre lado direito e lado esquerdo) e integração entre as duas metades do corpo. Essa integração mais tarde será exigida em tarefas escolares, como copiar do quadro enquanto apoia o caderno e posiciona o braço de forma estável.

 

A motricidade fina também se desenvolve brincando. Massinha, encaixes, blocos de construção pequenos, abrir potes com tampa rosqueável e empilhar objetos pedem controle dos dedos, força medida e precisão do gesto. Essa prática prepara a musculatura da mão para tarefas futuras que exigem firmeza e resistência, como escrever, pintar, contornar e recortar. Educadores do Colégio Senemby, de Caieiras (SP), afirmam que “o desenvolvimento da coordenação motora na infância acontece quando a criança tem permissão para manipular, apertar, equilibrar, montar e desmontar. Brincar com as mãos é um treino real de independência”.

Do ponto de vista emocional, esse domínio do próprio corpo gera confiança. A criança que percebe que consegue pular mais longe, se equilibrar por mais tempo ou encaixar pecinhas difíceis passa a acreditar na própria capacidade de resolver desafios. Essa autoconfiança inicial se reflete em outras áreas da aprendizagem.

 

Brincar como construção de habilidades cognitivas

Brincar também estrutura pensamento. Em uma amarelinha, por exemplo, a criança precisa obedecer a regras de sequência, esperar sua vez, lembrar onde pode ou não pode pisar e ajustar o corpo em função dessa regra. Ou seja, coordenação motora e controle inibitório (a habilidade de segurar o impulso e agir com intenção) acontecem juntos.

No faz de conta, há outro tipo de coordenação importante. Ao alimentar uma boneca, montar uma cabana com cadeiras e lençóis ou transformar caixas em carros e navios, a criança treina planejamento motor: o que preciso pegar primeiro, como vou equilibrar isso, como manter em pé. Ela ajusta movimentos finos em função de uma história que ela mesma está inventando. Esse vínculo entre gesto e imaginação fortalece linguagem, memória de sequência e organização mental.

Esse processo de planejar e executar movimentos encadeados também contribui para a autorregulação emocional. Educar a coordenação motora não significa só treinar músculos. Significa ensinar o corpo a obedecer à intenção. Quando a criança aprende a parar, respirar e tentar de novo um gesto delicado em vez de jogar o objeto longe, isso já é controle emocional em construção.

 

Interação social enquanto a criança brinca

Brincar é também um exercício de convivência. Ao negociar regras, dividir espaço e lidar com frustração (“agora é a vez do outro”, “o bloco caiu”, “a torre desmontou”), a criança começa a entender limites pessoais e coletivos. Esse contato com o outro enquanto se movimenta tem impacto tanto na coordenação motora quanto nas habilidades sociais.

Jogos de roda e brincadeiras cantadas, por exemplo, pedem sincronização de passos, ritmo comum e atenção ao grupo. A criança precisa acompanhar a música, coordenar palma, giro e deslocamento com as demais. Isso exige seguir marcações temporais e espaciais, ajustar postura, acertar o tempo certo de ação. Esse tipo de atividade trabalha equilíbrio, ritmo, controle respiratório e também favorece linguagem e entrosamento entre pares.

“Momentos de brincar que envolvem movimento são também momentos de escuta. A criança aprende a observar o colega, esperar o gesto do outro, coordenar junto e até oferecer ajuda quando percebe alguém com dificuldade”, explicam educadores do Colégio Senemby. Esse olhar para o grupo ajuda a criança a participar com mais segurança em ambientes coletivos, inclusive fora do contexto da brincadeira.

 

Participação da família

A família pode favorecer o desenvolvimento motor infantil sem transformar a casa em uma sala de ginástica. Oferecer materiais simples e seguros já é um bom começo: massinha, caixas de papelão grandes, panos para construir cabanas, bolas leves, potes de plástico com tampa, pregadores de roupa, blocos de montar. Esses elementos convidam a criança a experimentar força, encaixe, equilíbrio, precisão.

Outro ponto importante está no tempo. A criança precisa de tempo livre de tela e tempo livre de instrução direta para testar o corpo. Nem toda brincadeira precisa de interferência do adulto. A autonomia motora se fortalece quando a criança tenta subir sozinha num degrau baixo, arrasta um objeto pesado dentro de um limite seguro, empurra uma cadeira pequena para transformá-la em carro. É nesses momentos aparentemente simples que ela calibra peso, impulso e direção.

Isso não significa ausência de supervisão. Significa oferecer condições controladas para que a criança descubra o próprio corpo com segurança. Esse tipo de liberdade responsável ajuda a construir iniciativa. A criança aprende que pode tentar, ajustar e tentar de novo.

Também é positivo que o adulto esteja disposto a repetir movimentos com a criança. Jogar bola no chão de corredor, pular para alcançar um objeto pendurado a uma altura segura, fazer caminhos no piso com fita adesiva para seguir com passos grandes e pequenos, transportar brinquedos de um ponto a outro usando um balde leve. Quando o adulto participa do brincar corporal, valida esse tipo de experiência como algo importante, e não como algo secundário.

Brincar é um território de desenvolvimento motor, emocional, cognitivo e social. Na educação infantil, o gesto de subir, rolar, pular, equilibrar, socar massinha, rosquear tampas e montar cabanas está diretamente ligado ao amadurecimento neuromotor e à futura autonomia escolar. 

Para saber mais sobre a importância de brincar na educação infantil, acesse https://www.primeirainfanciaempauta.org.br/a-crianca-e-a-aprendizagem-a-importancia-do-brincar.html e https://educador.brasilescola.uol.com.br/comportamento/a-importancia-brincar.htm